Livro ‘Os dois amores de Hugo Flores’ por Felipe Fagundes

Livro / eBook – Os dois amores de Hugo Flores escrito por Felipe Fagundes

Ao abrir “Os dois amores de Hugo Flores”, de Felipe Fagundes, eu esperava uma comédia leve sobre autoconhecimento. Mas o que encontrei foi uma narrativa afiada, sensível e surpreendentemente crítica sobre os perigos do perfeccionismo, as armadilhas do sucesso corporativo e a beleza caótica do primeiro amor — tudo embalado em um humor deliciosamente ácido.

A primeira coisa que me capturou foi o protagonista: Hugo Flores, um jovem gay de 24 anos que é a própria encarnação do profissional esforçado e ansioso por validação. A frase “ele era um foguete!” não é só um eco do orgulho parental, mas uma armadilha emocional na qual muitos de nós já caímos. Trabalhar virou seu único amor. E aqui está o primeiro brilho do livro: Felipe Fagundes nos apresenta um personagem que, embora bem-sucedido por fora, está emocionalmente travado — e é impossível não se identificar com isso.

Ambientado em uma empresa de tecnologia com direito a CEO carismática, aplicativo de pegação e café intragável, o romance mergulha na cultura do trabalho como identidade. A crítica é clara: quando tudo gira em torno de performance e entrega, o que sobra do nosso eu verdadeiro? Em meio aos prazos surreais impostos por Verônica Rico — uma líder que beira o caricato, mas é perigosamente real — Hugo precisa lidar com o fato de que nunca beijou ninguém. A ironia é dolorosa e hilária ao mesmo tempo.

Mas o grande ponto de virada da narrativa está em João Bastos, seu colega despojado e misteriosamente cativante. João é o oposto de Hugo em quase tudo — exceto no fato de também ser gay. E é aí que Fagundes brilha mais uma vez: ele rejeita estereótipos e apresenta uma pluralidade de experiências LGBTQIA+ com naturalidade e honestidade. A tensão entre os dois cresce página após página, mas o autor não se apressa em transformá-la em romance; ele prefere observar o descongelamento emocional de Hugo com sutileza, construindo uma jornada de descoberta pessoal e amorosa que é crível e envolvente.

Como leitor, não pude deixar de pensar no quanto “Os dois amores de Hugo Flores” reflete o espírito de uma geração. Uma geração sufocada por expectativas, obcecada por performance e desesperada por conexão. A genialidade de Felipe Fagundes está em usar o humor para abrir espaço para vulnerabilidade. O livro é engraçado, sim — mas nunca superficial.

Se você busca um romance LGBTQIA+ leve, mas com profundidade, comédia inteligente e personagens memoráveis, este é um título que merece estar na sua lista. É um livro sobre brilhar, mas não da maneira como nos ensinaram.

É sobre descobrir que o verdadeiro brilho nasce quando a gente para de tentar agradar todo mundo — e começa a se permitir viver.